Tarcísio Martins
Sobre
os dialetos africanos falados em Minas Gerais, a maior
preservação cultural feita até
hoje acha-se consubstanciada no livro “O Negro
e o Garimpo em Minas Gerais”, monumento à
cultura mineira, onde Aires da Mata Machado Filho, com
a colaboração de seu preposto, Araújo
Sobrinho, preservou, entre 1928 a 1938, não só
“umas cantigas africanas ouvidas outrora nos serviços
de mineração”, chamadas “vissungos”,
mas “um dialeto crioulo de negros bantos”,
deixando, para os musicólogos as partituras musicais
e as letras dessas cantigas e, para os sociólogos
e etnolinguistas, o folclore, o vocabulário e
uma gramática da chamada “língua
de beguela” de São João da Chapada
que até hoje é distrito de Diamantina,
sito a noroeste desse município.
Escrevi, em 1990, o romance-histórico “Cruzeiro,
o Quilombo das Luzes”, onde os negros falam a
“língua de São João da Chapada”,
explicada em um glossário final, extraído
em mais de 80% da obra de Mata Machado. Esse livro me
deu um trabalho dos diabos. Revelou-se, no entanto,
verdadeiro refugo cultural, pois ninguém o quis
publicar nem que eu pagasse. Assim, eu o “publiquei”
de graça pela Internet em fevereiro de 2001[1].
As duas críticas mais freqüentes têm
sido: a) o romance é bom... mas será que
não tem negros demais? b) que diabo... os negros
no Brasil falavam era yorubá; você não
devia ter “inventado” essa língua
esquisita!
Quanto à primeira crítica, realmente,
não me custava nada ter criado um quilombo só
com alemães. Quanto à “língua”,
em meu livro “Quilombo do Campo Grande”
já havia afirmado que as línguas africanas
mais faladas em Minas sempre foram as do grupo bantu.
A toponímia africana das Minas Gerais é
quase 100% bantu; acho que só isto bastaria.
O tempo é o pai da razão. Por volta março
do ano 1999 fiquei sabendo que em São Paulo,
em 1995[2] se constatara uma comunidade que, por falar
a mesmíssima “língua” de São
João da Chapada – claro que com algumas
diferenças de pronúncia - viria a ser
divulgada em “Cafundó: a África
no Brasil - Linguagem e sociedade, de Carlos Vogt &
Peter Fry. São Paulo: Editora da UNICAMP &
Companhia das Letras, 1996, 373p.(p. 100-103); Resenhado
por Margarida M. Taddoni Petter”. Analisei o vocabulário
e constatei: quase 100% bantu.
O meu livro “Cruzeiro, o Quilombo das Luzes”,
na verdade, conta a história em ficção
romanceada dos primórdios que antecederam ao
Povoado do Doce, hoje município de Moema. Assim,
vibrei também quando, em março de 2000,
fiquei sabendo que, alguém, além de mim,
parece ter-se dado conta do mesmo tesouro (na vizinha
Bom Despacho) e que, em 1998, teria escrito “Pé
preto no barro branco: a língua dos negros da
Tabatinga[3], de Sônia Queiroz, 1998, Belo Horizonte:
Editora UFMG (p. 116-117), resenhado por Hildo H. do
Couto”. Pelo que vi no jornal é “língua”
totalmente bantu em seus radicais africanos, misturada
porém com radicais da língua geral dos
paulistas de Pitangui.
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[1]
http://tjmar.sites.uol.com.br
[2]
Revista da Folha n. 160 de 14.05.1995.
[3] Bairro de Bom Despacho, habitado por pardos e negros
que falam a mesma “língua” que alguns
negros velhos de Moema.
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